SIMONAL E O CONTADOR

SIMONAL E O CONTADOR

Ricardo Barros Sayeg

Ele havia cantado uma canção que homenageava Martin Luther King, pastor e ativista pelos direitos civis dos negros nos EUA, na TV Record, canal 7, de São Paulo. Era setembro de 1970. Percebia que por aqui, os negros eram tratados com discriminação. Apenas poucos haviam ganhado o estrelato e uma boa vida.

No dia seguinte foi chamado no DOPS (Departamento de Ordem Pública e Social) do regime militar. O delegado lhe inquiriu: 

- O que o senhor pretendia com aquela canção?

- Meu objetivo era apenas fazer uma homenagem a Martin Luther King e, em contrapartida, ao povo negro do Brasil. Respondeu Simonal.

- Mas o senhor não tem nenhuma ligação com movimentos de esquerda, não é mesmo? Perguntou o delegado.

- É claro que não! Meu negócio é música, é suingue, é gingado! Respondeu o cantor de músicas como "Balanço Zona Sul", "Mamãe Passou Açúcar em Mim" e "Nem Vem Que não Tem"

O delegado então disse:

- O senhor está liberado. 

Antes de sair, Simonal convidou o delegado para um show e o agente da repressão então falou:

- Saiba que sou seu fã. Se precisar, pode contar comigo e tirando um cartão do bolso o deu a Simonal.

Alguns dias se passaram e o cantor recebeu a ligação de seu banco, dizendo que sua conta estava no vermelho. Ele então se dirigiu ao seu contador e disse sem pestanejar que ele estava lhe roubando.

O contador justificou que os gastos de Simonal e de sua família eram absurdos e ele iria a falência se continuasse assim. 

Simonal o despediu no mesmo dia:

- Cai fora daqui!

Naquela noite, o cantor dormiu tarde, pensando em se vingar do contador. Resolveu então ligar para o delegado do DOPS que conhecera dias antes. Queria que ele desse um “susto” no tal contador. Só que o susto evoluiu para sequestro e tortura e o profissional veio a público delatar o cantor.

A partir daí, Simonal teve uma série de shows, gravações e participação de programas de televisão e publicidade cancelados. Foi acusado de ser o dedo duro do meio artístico. Aquele que entregava todo mundo para os militares.

O cantor que antes arrastava multidões morreu tentando provar para o Brasil que não era um delator, mas infelizmente, ninguém acreditou...

Ricardo Barros Sayeg é diretor de escola da Secretaria de Estado da Educação de São Paulo e professor da FIAP/SP




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